Pessoa
  • A pessoa é todo e qualquer ser vivo que possua o genoma humano (ADN único e irrepetível), o que significa que uma pessoa não é só um ser dotado de consciência e de auto-consciência e/ou existente fora do útero materno.

Nos primórdios do Cristianismo, o cônsul e filósofo romano Boécio definiu assim “pessoa” (“persona”, em latim):

“A pessoa é uma substância individual de uma natureza racional”.


A pessoa é uma noção simultaneamente jurídica e moral. Designa o Homem enquanto sujeito consciente e racional, capaz de distinguir o bem do mal, o verdadeiro do falso, e podendo responder pelos seus actos ou pelas suas opções. Na esteira dos princípios do Cristianismo, o respeito e a dignidade da pessoa humana são universalmente admitidos política e juridicamente ao nível dos princípios.

Na sua origem, a palavra pessoa – do Latim personare, “soar através” – designava a máscara por detrás da qual o actor “desaparecia” para desempenhar o seu papel: uma personagem. Ora, a personagem refere-se logo a uma função e a uma dimensão pública. Por isso é que talvez o termo pessoa tomou depois um sentido jurídico e serviu para designar, em direito romano, aquele que tem uma existência civil e direitos (res utilitas) em oposição ao escravo que nada tem.

Depois, o estoicismo1 deu à ideia de pessoa um significado moral: o sábio estóico deve aceitar o lugar e o papel – escravo ou imperador – que o destino lhe consigna, ao mesmo tempo que conserva a indiferença interior em relação a esses estatutos. Ao opôr vida pública e interioridade2 ou, por outras palavras, ao afirmar que para além dos papéis e dos lugares existe entre os homens uma comunidade, o estoicismo unia-se à tradição religiosa judaico-cristã que prescrevia o amor de todos os homens, iguais diante de Deus, e que privilegiava a vida espiritual interior. O Cristianismo afirmará a imortalidade da pessoa que, por conservar a consciência dos seus actos, é acessível à punição e à pena.

Pessoa e identidade

Ao afirmar a imortalidade da alma, o Cristianismo reencontra a crença espontânea na identidade do sujeito para lá das mudanças que o afectam3 Portanto, esta identidade é problemática: ¿quem sou eu, de facto? ¿O que é esse eu, o qual todos têm a certeza que existe? Eu sou em primeiro lugar um corpo; mas esse corpo que eu sou pode mudar, ao passo que eu posso manter-me o mesmo. É sobre esta evidência que se apoia a crença da sobrevivência da alma, separada do corpo.

Eu sou, depois, dotado de um certo número de qualidades que me são próprias e que reagrupamos sob o conceito de “personalidade”. Mas esta realidade psicológica, ela própria instável, pode alterar-se sem que desapareça, também aqui, a consciência da minha identidade. A identidade pessoal é, portanto, simultaneamente certa e impenhorável. Mas esta contradição desaparece se renunciamos a pensar a pessoa como uma coisa, mesmo sendo ela – como Descartes afirmava — uma “coisa pensante”. A pessoa não é substância mas sim um princípio de coesão e de coerência. Apesar da diversidade dos seus pensamentos e dos seus actos, cada um pode — porque a consciência os acompanha sempre — reconhecer-se como autor e julgá-los.

  • Ser pessoa é ser-se dotado de consciência e de razão, e por isso não devemos confundir pessoa, por um lado, com indivíduo, por outro lado.

A pessoa como valor

A pessoa não é só um sujeito de direitos, mas é também um objecto do dever – a pessoa tem, segundo Kant e na esteira do Cristianismo, um valor absoluto, e existe como fim em si mesma, em oposição às coisas que têm um valor relativo e as quais podemos usar como simples meios4.

Reconhecer à pessoa um valor e uma dignidade absolutos é ultrapassar a simples afirmação dos seus direitos. É dizer que ela deve ser protegida e respeitada mesmo quando é impedida ou incapaz de agir livremente5 . É uma afirmação em relação à qual não podemos negar legitimidade, mas que acarreta muitos problemas éticos, como podemos verificar hoje com a discussão actual acerca da eutanásia e acerca do estatuto do embrião humano.


O SENADO DO ESTADO AMERICANO DO DAKOTA DO NORTE fez passar uma emenda constitucional que institui o estatuto de “pessoalidade”, o que significa que o estatuto de pessoa passa ser extensível ao embrião humano a partir do momento da concepção. Ou seja: um embrião humano passa a ter o mesmo direito à vida de um ser humano já nascido.



Editado por (OBraga)

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