Os filósofos marxistas culturais J. Habermas e K O Apel apresentaram uma proposta de solução para o problema da fundamentação das normas: o “Modelo Discursivo”. Este consiste na ideia de um discurso infinito, se possível de todos os seres humanos, no âmbito de uma comunidade ideal de comunicação que permita a “fundamentação colectiva” das normas. Se as normas devem ser fundamentadas, todos aqueles a quem estas dizem respeito devem ter a possibilidade de participar na discussão sobre elas. Se alguém afirma que o car-jacking é moralmente condenável em todas as circunstâncias, tem que afirmar o seguinte perante todas as pessoas:
“Afirmo perante todos que o “car-jacking” representa uma acção moralmente proibida, declarando-me disposto a defender a minha afirmação perante qualquer pessoa”.
Surge então a procura de um consenso, através de um discurso no qual podem participar em pé-de-igualdade todos aqueles que são de qualquer modo afectados. No fundo, o Modelo Discursivo é uma segunda edição da ética de Russell: se conseguirmos convencer a sociedade de que o “car-jacking” é moralmente condenável, então a sociedade convencida passa a adoptar essa norma.
Existem aqui dois problemas: o primeiro é saber se Adolfo Hitler, por exemplo, não conseguiu convencer a maioria dos alemães que os judeus eram seres inferiores (Untermenschen) ; o segundo é saber em que é que ― no caso concreto do exemplo do “car-jacking” ― a conclusão decidida acerca da norma, entendida em si mesma, detém o indivíduo que pratica o “car-jacking”.
Por outro lado, para as pessoas que não participam na discussão ― porque não puderam fazê-lo por motivos práticos ou porque são crianças, doentes, ou porque ainda não nasceram ― não existe consenso possível. Por exemplo, se no caso do “casamento” gay ou no aborto livre existissem normas conseguidas através do Modelo Discursivo, existiria muita gente que não participou na discussão e entre elas as crianças que ainda não nasceram. Em vez de ter uma validade intemporal, a moral passa a ser uma “negociação provisória permanente” e sujeita à maior capacidade de retórica — a cada momento histórico — de quem propõe as suas normas: essa negociação nunca pode ser concluída e exclui as pessoas não nascidas.
A verdade é que eu não devo ― nem ninguém deve ― subordinar os meus interesses a uma “moral de negociação permanente e provisória”.
Ademais, terá sempre que existir uma decisão moral prévia a qualquer discurso, isto é, não será nunca o consenso por si só que vai obrigar o prevaricador a agir no sentido do consenso, porque o cálculo só bate certo se todos os envolvidos abandonarem previamente o princípio do interesse próprio. Por último, não está assegurado que um discurso, por muito inteligente que seja, garanta uma certeza ― nem mesmo nas ciências da natureza.
As únicas qualidades objectivas do Modelo Discursivo são as de que este parte do pressuposto de dignidade da pessoa e de igualdade de oportunidades à partida; existem, portanto, dois valores intemporais e categóricos. Porém, em tudo o resto, as objecções são evidentes.
Editado por (OBraga)