experiência

Experiência

É vulgar confundir-se “experiência” e “experimentação”: a experimentação é científica (no sentido de ciência positivista), mas a experiência pode não ser. Por outro lado, confunde-se “experiência subjectiva” e “experiência intersubjectiva”, sendo que esta última também pode ser chamada de “experiência objectiva”. Aquilo que é “objectivo” é sempre intersubjectivo (na dimensão humana da realidade).

A tradição filosófica ocidental trata a experiência de duas formas radicalmente opostas: o racionalismo (Platão, Descartes, Espinoza, Kant) e o empirismo (Locke, Hume, Russell et al). Nem uma nem outra estão certas, e uma e outra têm alguma coisa de acertado.


Definições

A experiência baseia-se em factos, e um facto é algo que adquiriu uma estrutura na nossa consciência. Esse facto pode ser subjectivo ou intersubjectivo (objectivo). A consciência é uma experiência originária (a priori), comprovável a nível intersubjectivo, que antecede a experiência objectiva (ou intersubjectiva a posteriori).


Os racionalistas desconfiam das “ilusões dos sentidos” e têm alguma razão, mas ignoram a intuição que é uma forma de conhecimento que põe, sem mediação, o espírito (a consciência) em presença do seu objecto. Os empiristas dizem que a experiência é a origem de todo o conhecimento, e têm alguma razão, mas ignoram não só a intuição mas também a consciência conforme definição supracitada.

“A verdade é adequação da consciência à realidade” (S. Tomás de Aquino). O primeiro problema aqui é o de que a realidade não é passível de definição. A realidade é um conceito infinito. Então, poderíamos também dizer: “A verdade é adequação da consciência ao infinito”.

O segundo problema é que existem graus diferentes de “adequação da consciência ao infinito”, ou seja, há consciências mais perto da verdade do que outras. A “adequação da consciência ao infinito” difere de indivíduo a indivíduo, e muita dessa “adequação da consciência ao infinito” é feita através da intuição que reifica (reificar=transformar em factos) a experiência subjectiva.

E quando essa experiência subjectiva é racional, ou intuitivamente compreendida por mais do que uma pessoa, estamos em presença de uma experiência intersubjectiva a posteriori (ou “experiência objectiva”). Ou seja, aquilo que é “objectivo” não é só e apenas aquilo que nós percebemos intersubjectivamente através dos nossos sentidos: também é aquilo que entendemos intersubjectivamente (colectivamente) através da razão e da intuição.

Os milhares de pessoas que assistiram in loco às aparições de Nossa Senhora de Fátima em 1917, tiveram uma experiência objectiva (ou experiência intersubjectiva a posteriori). A razão por que essa experiência objectiva, em concreto, não foi testemunhada por milhões de milhões de pessoas, deve-se ao facto de que nem toda a realidade obedece a leis regulares de ordem dita “natural”. Repare-se no que escreveu o cientista e físico quântico Roland Omnès :

«No quantum fluctuation observable on a human scale has probably occurred since the creation of the earth, but let us imagine one of them taking place and being witnessed by several people; they see a rock suddenly appear in a different place. They have actually seen it, but they would never be able to convince anyone else; never irrefutably show that the phenomenon may repeat itself.» — “Quantum Philosophy”, page 192, 1999, Princeton University

Infelizmente, somos obrigados a recorrer à autoridade de direito de cientistas, mesmo quando eles não têm qualquer autoridade de facto.

O que Roland Omnès quer dizer é que existem fenómenos que não podem ser medidos através da estatística, e sem estatística não há ciência positivista. E essa dimensão não-susceptível de ser medida estatisticamente também pertence à realidade.

Obviamente que Omnès começa por dizer, na primeira parte da citação, que “provavelmente nunca ocorreu um fenómeno desse tipo desde a criação da Terra”; mas depois diz que é possível que um fenómeno desse tipo possa acontecer. A ambiguidade típica do cientista esclarecido actual consiste em dizer que uma qualquer coisa que escape à “lei” dita “natural”, nunca aconteceu, mas que é possível que aconteça.

Richard Dawkins coloca o problema de um modo ligeiramente diferente: no seu livro “O Relojoeiro Cego”, Dawkins afirmou que se uma multidão, reunida numa igreja para assistir à missa dominical, vir a imagem [a estátua] da Virgem Maria sair do pedestal pelos seus próprios meios, caminhar em passo estugado ao longo do interior da igreja e sair pela porta fora — diz Richard Dawkins que não devemos concluir que essa multidão testemunhou um milagre. Em vez disso, Richard Dawkins diz que “calhou” (sic) que todos os átomos da imagem da Virgem Maria se moveram na mesma direcção e ao mesmo tempo. Se isto não é fé, então o que será “fé”?

Portanto — e segundo um físico de nomeada como é Roland Omnès — se um grupo de 100 pessoas vir uma pedra mudar de sítio por si mesma, a probabilidade desse fenómeno voltar a acontecer é quase zero. Ora, isso não significa que, para aquelas 100 pessoas, o fenómeno não tenha sido uma experiência objectiva: essa experiência é real e objectiva, embora não esteja fora da medição estatística e da ciência positivista.

Editado por (OBraga)

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